
As «múltiplas inteligências» estão, cientificamente, identificadas, sendo comuns ao ser humano, embora alguns tenham a capacidade de as potenciar de forma extraordinária. São os denominados sobredotados, uma expressão envolta, ainda, em diversos tabus e incompreensão que levam, muitas vezes, à frustração de quem possui esta capacidade. O Mundo Atual foi à procura de respostas a questões pouco abordadas e, muitas vezes, escondidas pelos pais e ignoradas pelos docentes, acerca dos protagonistas: crianças sobredotadas e adultos com altas capacidades.
“Normalmente o diagnóstico de sobredotação não é algo que os pais gostem de ouvir. Pelo que alguns psicólogos defendem, é até é algo abominável”, refere Luís, um jovem adulto que foi uma criança sobredotada.
“É verdade que há muitas consequências na estabilidade da família e necessitamos de atenção especial, mas somos crianças, não aberrações”, afirma, alertando os pais para esta problemática.
Ao longo do processo de crescimento, cada criança desenvolve aptidões relacionadas com determinadas áreas, e algumas conseguem fazê-lo, simultaneamente, em várias delas e de forma muitíssimo ampliada, sendo esta capacidade denominada de sobredotação.
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Desse universo, há as que são identificadas e as que não. Os sinais estão lá mas, muitas vezes por ignorância, outras por preconceitos, os pais, que são a base nuclear para essa identificação, ignoram-nos, para que os filhos não sejam relacionados com nenhum tipo de «anormalidade».
De acordo com Helena Serra, presidente da Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS), “o preconceito existe e o tema ainda está rodeado de tabus”, destacando desde logo, “a falta de interesse demonstrado pela tutela, nomeadamente pelo ministério da Educação”.
A associação, criada em 1986, é a única no país que se debruça sobre as diversas valências desta capacitação e tem vindo a desenvolver um papel importante, quer na forma como as crianças são identificadas – através de formação de pais e professores, que são quem com elas convive mais de perto – quer na contextualização das suas necessidades educacionais e de estimulação socio-afetiva.
Diagnóstico e atuação
De acordo com Helena Serra, só a partir dos seis anos é aconselhável efetuar testes para identificar a sobredotação, uma vez que, antes dessa idade, a criança pode ser só precoce.
“A precocidade vai-se atenuando até se desvanecer com a idade, enquanto que a sobredotação estará sempre presente, até na idade adulta, embora aí já se denominem de adultos com altas capacidades”, explica, ao Mundo Atual.
“Somos sobredotados enquanto crianças. Depois disso somos apenas adultos inteligentes”, refere Luís.
Estima-se que três a cinco por cento das crianças que frequentam as escolas portuguesas, apresentam capacidades acima da média, sendo, frequentemente, denominadas de hiperativas, desinteressadas ou incómodas, em conflito com o ensino, que não corresponde às suas expectativas.
“É muito comum nos sobredotados e deve ser acautelado pelos pais. Quando a criança não se sente estimulada e desafiada pelos conhecimentos lecionados, tem tendência para se distrair facilmente, tendo comportamentos irrequietos e falta de concentração”, explica Luís.
A avaliação consiste na realização de testes psicológicos e psicopedagógicos – os primeiros medem o quociente de inteligência (QI) – que nestes casos se situa entre os 110 e os 130 – enquanto os segundos determinam quais as inteligências mais desenvolvidas naquele indivíduo.
E com um grau de inteligência tão acima da média, o que pode, então, conduzir aos conflitos internos que, acabam, por vezes, em tragédia?
O que torna uma criança sobredotada é a sua capacidade cognitiva e intelectual acima da média. No entanto, elas não são mais desenvolvidas, ao nível da maturidade socio-afetiva, do que as outras da sua idade. Assim, pode surgir um enorme desfasamento entre o domínio socio-afetivo e o cognitivo que, nestas crianças, é muito difícil de gerir.
Os pais de Luís só lhe contaram, quando frequentava o 10.º ano, porque se sentiram “forçados”. Quando uma menina, sobredotada, de outra escola, cometeu suicídio, Luís contou aos pais, que lhe disseram que também ele o era.
“Tiveram uma conversa comigo e perguntaram-me se estava bem e se também tinha pensamentos suicidas. Felizmente, nunca os tive, mesmo com o bullying de que muitas vezes fui alvo. Contudo, foi bastante desconfortável fingir que me estavam a dar uma novidade”, lembra.
Identificação e apoios dependentes de autarquias
A escola, através de professores e colegas, deveria desempenhar um papel fundamental na manutenção da qualidade de vida destas crianças. No entanto, não existe nenhum mecanismo de identificação de casos nas escolas nacionais, sendo a APCS a única entidade que se voluntaria para dar formação aos professores do 1.º ciclo, geridos pelas autarquias, através do «Programa Investir na Capacidade» (PIC).
“As crianças são triadas por professores que as acompanham há, pelo menos, um ano, mediante um esquema composto por 25 items, que permite essa sinalização”, refere a dirigente.
As escolas devem ser informadas das características destas crianças, quando os pais já têm conhecimento prévio. Para Luís, embora haja professores “que o veem como uma tentativa de a colocar acima das restantes”, essa informação é importante para que possam adaptar o ensino de forma inclusiva.
“Do mesmo modo que não se esconde uma criança que tem atraso mental ou deficiência, integrando-a no ensino especial, também não se pode esconder as sobredotadas”, refere Luís.
Assim, a intervenção junto desta comunidade vai depender da importância que as câmaras municipais atribuem ao tema.
“Porto e de Vila Nova de Gaia são algumas das que estão em franca sintonia com a associação, desenvolvendo uma constante parceria na identificação e apoio pedagógico a estas crianças”, refere ainda a responsável pela APCS.
No Porto as atividades semanais com as crianças – vindas de vários pontos do Norte do País – decorrem nas instalações da Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, onde se encontra a sede da associação, e, em Gaia, no Parque da Lavandeira.
Genética e inteligências associadas
“Está provado, cientificamente, que a sobredotação é genética”, refere Helena Serra, salientando uma teoria que explica que a sua origem se dá no momento da conceção.
“Se os biorritmos dos progenitores estiverem elevados, aquando da união das células, dará origem a uma criança sobredotada”, sublinha.
Sendo a genética importante para determinar a sobredotação, o ambiente – através da estrutura afetiva apoiada numa retaguarda familiar sólida – é-o para regular o domínio cognitivo e o socio-afetivo, gerindo o equilíbrio emocional da criança.
A atividade profissional pode resultar do desenvolvimento de cada uma das nove inteligências identificadas por Howard Gardner. Assim, as aptidões lógico-matemáticas originam especialistas em álgebra e cálculo; a linguística, desenvolve a vocação de jornalistas e escritores; a psicomotora, desporto e atividade física. Já na espacial, relacionada com a capacidade de análise tridimensional, identificam-se arquitetos e engenheiros, na musical, compositores e músicos, e da naturalista resultam cientistas e investigadores da natureza.
À inteligência interpessoal – habilidade de analisar, entender e interpretar gostos, desejos e intenções das outras pessoas – estão associadas profissões na área do Direito, à existencial os grandes pensadores e filósofos e os que têm desenvolvida a inteligência intrapessoal – capacidade de identificar as próprias emoções e sentimentos – sentem-se atraídos por áreas como psicologia ou sociologia.
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